quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

sufoco...

grãos finos de areia que se desvanecem na imensidão do infinito... uma areia que corrói os olhos de quem vê, cega o mais inocente dos indivíduos endiabrados... torna o mais purificado num ser dilacerado, petrificado, com um coração cinzento, frio, que não bate, tiquetaquea como um relógio com bateria fraca, quase parando, com o ponteiro do segundo se esforçando pra funcionar, como num sonho onde se tenta correr, progredir... um desespero, uma ânsia pelo despertar, um sufoco desesperador aguardando o amanhecer, esperando o porvir que nunca vem...
Tiago Elídio...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

o mar...

Pedra que chora
Lygia Fagundes Telles

DEITEI-ME NA AREIA E FIQUEI OLHANDO O MAR.
O mar que não é nem verde nem azul nem masculino como figura na nossa língua nem feminino como está na língua francesa, nem macho nem fêmea, mas algo assim andrógino. Escapando ao rigor das classificações ele é a vida mas também pode ser a morte. Agressivo,sim,e ao mesmo tempo, envolvente. Sedutor - Ah, vamos deixá-lo com seus mistérios porque os mistérios são inexplicáveis.

Vejo as ondas crescendo lá longe e perdendo as forças na travessia até desaparecerem aqui nos meus pés, esboroadas em espumas. Tão parecidas umas com as outras, essa que edsapareceu há pouco aqui na areia é igual àquela outra que já vem chegando ansiosa. E que já vai se desfazer em espumas no milagre da repetição e renovação, sim, são múltiplas, mas a destinação é imutável. Efemeridade e permanência.

Gerações e gerações de ondas e de gente nascendo e morrendo no infinito do tempo. “Sonhos são espumas, quase nada”, disse o poeta. Vejo uma gaivota que baixou o vôo, me espiou curiosa e logo partiu desinteressada, resmungando na língua das gaivotas. Deve ter sido num mar assim esvaziado que aquele antigo Cancioneiro Popular entrou:

Eu entrei no mar adentro e fiz tanta maravilha
que o Rei mandou me chamar pra casar com sua filha.
O dote que o Rei me dava:Oropa, França e Bahia.

Afundo as mãos na areia úmida. Pelo visto, situada no litoral Sul de São Paulo, esta praia não estava incluída no famoso dote do Rei. Itanhaém, na língua Tupi dos índios, Pedra que Chora. Sabe Deus de onde teria chegado os índios a esta praia com rochas e pedras amontoadas em toda a sua extensão, as ondas invadindo e cobrindo essas pedras. Para retornarem de novo ao mar, num esforço tão arfante e lamurioso que os sons espumejantes foram compondo a música das águas, Pedra que Chora.

A curiosidade, característica do ser humano e das formigas, a curiosidade teria a fonte de inspiração desses índios na sede das descobertas, tanta vontade de ir mais longe, mais longe ainda e assim foram inventadas as pirogas, embarcações feitas de tronco de árvores escavadas a fogo e que talvez desvendassem aquela linha lá longe que separa o mar do céu.

Descobertas mais importantes? Essas só aconteceram com a chegada do Padre José Anchieta na aurora da colonização. Os selvagens ficaram em êxtase, mas o que significava aquilo? Aquele espanhol de saúde frágil, vestindo aquela sotaina gasta, com suas sandálias rotas e falando a mesma língua da terra, o que significava isso? Entendia-se com os velhos e com os curumins, amansava as feras e tinha com única arma a pequena cruz de madeira que levantava na mão tremente.

O Apóstolo do Brasil e poeta , fundador do primeiro colégio de Jesuítas denominado São Paulo de Piratininga, semente da cidade de São Paulo, essa padre José de Anchieta também andou descalço nestas areias. Ouviu as ondas espumejantes gemendo por entre as pedras quando ia descansar naquela pedra maior, um abrigo que ficou sendo chamado Cama de Anchieta. Mais tarde, nas praias do litoral norte iria escrever na areia os poemas em latim dedicados à Virgem Maria.

Veio o mar e apagou as marcas dos passos e dos poemas. O mesmo mar que chorou quando em 1597 ele morreu lá longe, no Espírito Santo, chorou o mar e choraram os selvagens com saudades do amigo-irmão.

Continuo aqui deitada e tenho que partir. Será que era neste mar que o Apóstolo do Brasil ia se confessar? Mas espera, os santos não precisam de mediadores porque se dirigem diretamente a Deus, nós é que precisamos. Nesta Pedra que Chora acabei de escrever uma
CONFISSÃO

- Fui me confessar ao mar.
- E o que ele disse?
- Nada.