quarta-feira, 27 de agosto de 2008

dialogando...

o voo estava atrasado... teria que esperar ainda mais alguns eternos minutos no aeroporto... esse lugar de intensas idas e vindas... partidas e chegadas... encontros e desencontros... alegrias e tristezas... não tinha muito o que fazer a não ser sentar e esperar... procurou alguma cadeira vazia e se acomodou... depois, pegou seu Caio Fernando Abreu na mochila e começou a ler... alguns rápidos minutos se passaram e terminou a leitura... extasiado... como era bom ler algo assim... era reconfortante e, acima de tudo, sublime... desejou que as pequenas epifanias do texto também acontecessem com ele... olhou para um lado... para o outro... nenhuma epifania à vista... então se pôs a observar as pessoas que ali também esperavam... e a imaginar como seria a vida de cada uma... uma mulher estava sorridente... talvez feliz por em breve retornar à sua casa... ou então feliz por sair de um lugar que lhe foi hostil... perto dela, estava uma outra mulher, um pouco mais velha... ao contrário da outra, estava com a cara fechada e um olhar distante... parecia não se importar muito com o que se passava ao seu redor... ou então com sua própria vida... apática e solitária... do outro lado, havia um jovem garoto... ele também estava em silêncio... além disso, tinha os olhos inchados e pequenas lágrimas sutis escorrendo face abaixo... parecia não se importar se o vissem dessa forma... nem que lhe dessem os costumeiros rótulos que costumam colocar em homens que fazem isso... talvez seu coração havia se quebrado... havia também algumas crianças correndo para lá e para cá, ainda vivendo sem se preocupar com essas questões do mundo adulto... depois, como se estivesse em frente a um espelho, começou a olhar a si mesmo... mas não teve tempo de se analisar... haviam chamado para o embarque... e assim foi, rumo à alguma epifania distante...
Tiago Elídio...

terça-feira, 26 de agosto de 2008

um pouco de caio f. abreu...

Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.

Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.

Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.

Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.

De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.

Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.

Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.


(Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", 22/04/1986)

domingo, 24 de agosto de 2008

transformações...

Todo se transforma
Jorge Drexler

Tu beso se hizo calor,
luego el calor, movimiento,
luego gota de sudor
que se hizo vapor, luego viento
que en un rincón de La Rioja
movió el aspa de un molino
mientras se pisaba el vino
que bebió tu boca roja.

Tu boca roja en la mía,
la copa que gira en mi mano,
y mientras el vino caía
supe que de algún lejano
rincón de otra galaxia,
el amor que me darías,
transformado, volvería
un día a darte las gracias.

Cada uno da lo que recibe
y luego recibe lo que da,
nada es más simple,
no hay otra norma:
nada se pierde,
todo se transforma.

El vino que pagué yo,
con aquel euro italiano
que había estado en un vagón
antes de estar en mi mano,
y antes de eso en Torino,
y antes de Torino, en Prato,
donde hicieron mi zapato
sobre el que caería el vino.

Zapato que en unas horas
buscaré bajo tu cama
con las luces de la aurora,
junto a tus sandalias planas
que compraste aquella vez
en Salvador de Bahía,
donde a otro diste el amor
que hoy yo te devolvería......

Cada uno da lo que recibe
y luego recibe lo que da,
nada es más simple,
no hay otra norma:
nada se pierde,
todo se transforma.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

transpiração...

às vezes, depois de sucessivos obstáculos, o corpo vai se cansando... o bom humor acaba assim evaporando-se como as gotas de suor... essas vão aumentando cada vez mais até formarem uma grande área instável, com muitas precipitações... e chuvas de granizo começam a cair sobre a cabeça... ferindo... causando dor... desestabilizando... trata-se de uma grande tormenta que atormenta...
Tiago Elídio...

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

um poema do chileno bolaño...

LUPE

Trabajaba en la Guerrero, a pocas calles de la casa de Julián
y tenía 17 años y había perdido un hijo.
El recuerdo la hacía llorar en aquel cuarto del hotel Trébol,
espacioso y oscuro, con baño y bidet, el sitio ideal
para vivir durante algunos años. El sitio ideal para escribir
un libro de memorias apócrifas o un ramillete
de poemas de terror. Lupe
era delgada y tenía las piernas largas y manchadas
como los leopardos.
La primera vez ni siquiera tuve una erección:
tampoco esperaba tener una erección. Lupe habló de su vida
y de lo que para ella era la felicidad.
Al cabo de una semana nos volvimos a ver. La encontré
en una esquina junto a otras putitas adolescentes,
apoyada en los guardabarros de un viejo Cadillac.
Creo que nos alegramos de vernos. A partir de entonces
Lupe empezó a contarme cosas de su vida, a veces llorando,
a veces cogiendo, casi siempre desnudos en la cama,
mirando el cielorraso tomados de la mano.
Su hijo nació enfermo y Lupe prometió a la Virgen
que dejaría el oficio si su bebé se curaba.
Mantuvo la promesa un mes o dos y luego tuvo que volver.
Poco después su hijo murió y Lupe decía que la culpa
era suya por no cumplir con la Virgen.
La Virgen se llevó al angelito por una promesa no sostenida.
Yo no sabía qué decirle.
Me gustaban los niños, seguro,
pero aún faltaban muchos años para que supiera
lo que era tener un hijo.
Así que me quedaba callado y pensaba en lo extraño
que resultaba el silencio de aquel hotel.
O tenía las paredes muy gruesas o éramos los únicos ocupantes
o los demás no abrían la boca ni para gemir.
Era tan fácil manejar a la Lupe y sentirte hombre
y sentirte desgraciado. Era fácil acompasarla
a tu ritmo y era fácil escucharla referir
las últimas películas de terror que había visto
en el cine Bucareli.
Sus piernas de leopardo se anudaban en mi cintura
y hundía su cabeza en mi pecho buscando mis pezones
o el latido de mi corazón.
Eso es lo que quiero chuparte, me dijo una noche.
¿Qué, Lupe? El corazón.

Roberto Bolaño, Los Perros Románticos, 1980-1998.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

poeminhas...

para aline:

sique gritando...
sigue gritando...
gritando...
...


para júlia:

what is that in the sky?
is it a little bird? is it an airplane?
no, it's not anything of that! it's just julia!
just flying away...

muitos pontinhos...

não sei para onde estou indo... há muitos caminhos a escolher...
tornei-me uma reticência humana... e o que segue fica no ar...
Tiago Elídio...