segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Não espero nenhum olhar, não espero nenhum gesto, não espero nenhuma cantiga de ninar. Por isso estou vivo. Pela minha absoluta desesperança, meu coração bate ainda mais forte. Quando não se tem mais nada a perder, só se tem a ganhar. Quando se pára de pedir, a gente está pronto para começar a receber. O futuro é um abismo escuro, mas pouco importa onde terminará a minha queda. De qualquer forma, um dia seremos poeira. Quem é você? Quem sou eu? Sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. Você tem seus jeitos de tentar. Eu tenho os meus.
Caio Fernando Abreu...

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Carlos Drummond de Andrade...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

fotografia...

"O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente."
Roland Barthes... A Câmara Clara... 1980...

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

nova york...

ao descer as escadas, bilheterias eletrônicas... linhas gigantes... muitos trens... dentro dos vagões, pessoas das mais variadas origens... brancos... negros... orientais... latinos... uns, dormindo... outros, ouvindo música... um ou outro mexendo em seu iPhone... e várias pessoas lendo... nas mais diversas línguas... e eu ali, observando tudo isso e capturando as primeiras impressões acerca de Nova York... em fevereiro de 2009... exit... (texto em construção)
Tiago Elídio...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

cafuné...

estava com os olhos fechados... de repente, sentiu uma mão encostar na sua cabeça e começar um afago... seus olhos permaneceram fechados... começou a sentir uma leveza advinda daquele cafuné gostoso... respirou fundo... enchendo-se de carinho... um sorriso se formou em seus lábios... então seus olhos se abriram... a mão, que era sua, agora estava sob seu peito... que batia suavemente...
Tiago Elídio...

domingo, 16 de agosto de 2009

As águas do mundo...

Aí está ele, o mar, o mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.

Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.

Ela olha o mar, é o que se pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra.

São seis horas da manhã. Só um cão livre hesita na praia, um cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porquê ele é o mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar.

Seu corpo se consola com sua própria exigüidade em relação a vastidão do mar porque é a exigüidade do corpo que o permite manter-se quente e é essa exigüidade que a torna livre gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no silêncio das seis horas. A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não têm o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no amr em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de , não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem.

Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas. Mas uma alegria fatal – a alegria é uma fatalidade – já a tomou, embora nem lhe ocorrera sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E agora ela está alerta, mesmo sem pensar, como um caçador está alerta, mesmo sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda- e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que a oposição pode ser um pedido.

O caminho lento aumenta as coragem secreta. E de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda. O sal, o iodo, tudo líquido, deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo- espantada de pé, fertilizada.

Agora o frio se transformou em frígido. Avançando, ela sobre o mar pelo meio. Já não precisa da coragem, agora já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol quase imediatamente já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e com altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheia de água, bebe em goles grandes, bons.

E era isso o que estava lhe faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. Agora está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe com o sal, os olhos avermelham-se pelo sal secado pelo sol, as ondas suaves lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto.

Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois não precisa mais. Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, ela mergulha de novo: está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no mar. Assim fica pois. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação.

Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando sobre as águas- ah, nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre as águas- mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe impõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera.

E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água , e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.

Clarice Lispetor...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

interações... ações... reações...
diversas... inversas... adversas...
Tiago Elídio...

terça-feira, 28 de julho de 2009

ronronices...

estava embaixo dos cobertores... era um domingo chuvoso que já havia lhe proporcionado confortáveis horas de sono... então espreguiçou-se e começou a ronronar... um barulhinho intenso que o empurrava para fora dali... um agito interno que o fez sair em busca de carinho... foi caminhando rapidinho com suas quatro patinhas pelo corredor... ao mesmo tempo em que se roçava na parede... contorcendo a cabecinha... os pêlos eriçados... o rabinho empinado... até que encontrou a primeira vítima... correu e começou a se esfregar intensamente... contorcia-se como se estivesse provando das mais extasiantes cócegas... os olhinhos se contornavam... no entanto, levou um safanão... recusaram proporcionar-lhe mais prazer... como se estivesse hipnotizado, começou a andar... da mesma maneira que os pássaros sabem para onde estão voando, ele se foi... e encontrou uma nova presa... essa passou as mãos nas suas costas... aquele simples toque o elevava à mais sublime sensação... virou o pescocinho e esfregou sua nuca na perna do seu parceiro... e foi se contorcendo até cair de costas... de barriga pra cima... pronto pra receber mais afagos... o que não tardou a acontecer... assim, atingiu seu esperado e inusitado orgasmo... e adormeceu ali naquele chão... então, duas mãos o pegaram e o puseram na cama... em cima dos cobertores...
Tiago Elídio...

sábado, 25 de julho de 2009

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Mirror

I am dazed by the beauty of my body.
today I looked at myself with your eyes. discovered
the soft curve of shoulders the tired round breasts which
want to sleep and slowly roll down in spite of themselves.
my legs unfolding offering infinitely up to
the limits absent from what is me and what beyond me
throbs in every leaf in every raindrop.
I saw myself as if through glass in your eyes
looking at me. I felt your hands on the warm tight
skin of my thighs and obeying your command
I stood naked before a huge mirror. and then
I covered your eyes not to see and not to feel
the loneliness of my body blossoming with you.
Halina Póswiatowska

bjos a Carol... por compartilhar... o poema e o espelho!

domingo, 19 de julho de 2009

Pequena Fábula

"Ah", disse o rato, "o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro". - "Você só precisa mudar de direção", disse o gato, e devorou-o.
Franz Kafka... trad. de Modesto Carone...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

feridas expostas...

veio o sonho... e o ergueu às nuvens, onde resolveu tudo que precisava acertar... então a nebulosidade se desfez e o derrubou ao chão... suas feridas que ainda não haviam se fechado ficaram ainda mais expostas... delas, escorriam sangue da mesma forma que escorriam lágrimas nos olhos... tudo que necessitava nesse momento era de um sorvete... para, igual uma criança, se entreter e parar de chorar...
Tiago Elídio...

pensamentos...

penso, repenso, despenso
penso, despenso, repenso
repenso, penso, despenso
penso, penso, penso
dispenso

Aline Fonte

terça-feira, 7 de julho de 2009

coração...

quando o viu, meu coração começou a disparar... era como se, de fato, balas estivessem saindo dali e me acertando em cheio... eram batidas fortes, constantes... e isso estava me machucando... doía... cada vez mais profundamente... assim, meu corpo foi ficando cada vez mais atingido... até que o coração depois de disparar... parou...
Tiago Elídio...