quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

chuva que acabou de escorrer

"Não quero escrever sobre mim. Quero escrever sobre os outros, sobre o que está fora de mim. O que me adentra e fica,
ou aquilo que simplesmente passa. Como uma chuva que acabou de escorrer e deixou seus resíduos.

Não escrever sobre mim não significa que não quero me revelar.
Significa que estou cansada de um mundo que deveria ser grande, mas é tão pequeno. Que acha bonito só o que é bonito e sempre e só isso.
Cansei de um mundo que não aceita o diferente, o excluído - um mundo que não estende a mão ou não abre seus ouvidos.
E, hoje, esse mundo fui eu. Um mundo tão pequeno, um mundo que repugno. Eu não parei, não estendi minha mão, não escutei. E agora choro,
porque me comove e me dói na alma.
Por medo de parar, simplesmente passei por um homem que, sentado na calçada molhada pela chuva, completamente desesperado,
me pedia ajuda segurando a cabeça entre as mãos porque não aguentava o peso da caixa pensante sobre o seu pescoço.
O peso da cabeça aperta o pescoço e faz a gente sentir aquele nó que só se desfaz com um longo e sussurrante choro.
E passei. E ele passou, mas deixou um pouco de seu desespero em mim.

Escrever o não-eu é escrever sobre o de fora que passa por mim e fica, como os resíduos da chuva que acabou de escorrer, deixando folhas e galhos nos encontros das ruas.
Resíduos de amor desencontrado, de poesia desarrumada, de ajudas e orações pela metade.
Resíduos de outros que passaram por mim e deixaram galhos e folhas no encontro das ruas pequenas e sem saída que moram aqui em meu dentro."

Laura Cielavin...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

o empinador da pipa vermelha...


era domingo... fazia calor... e eu estava na praia com minha pipa vermelha... não estava ventando muito e isso complicava um pouco minha diversão... por mais que eu estivesse pelejando muito para conseguir empiná-la, ela não durava muito tempo no ar... não conseguia pairar naquele céu azul quente e abafado... logo vinha abaixo... mas eu estava obstinado a fazê-la voar... afinal era meu aniversário de sete anos... era um desafio que eu mesmo me dava... eu tinha ganhado essa pipa de presente do meu pai e queria mostrar a ele minhas habilidades como empinador... não queria decepcioná-lo de modo algum... ele estava observando de longe, enquanto tomava uma cerveja e enviava palavras encorajadoras... e eu, depois de muita luta, consegui finalmente erguê-la... não estava muito alta, mas era o suficiente para conseguir um sorriso do rosto do meu pai e me deixar orgulhoso e feliz... mas, de repente, um estrondo... minha pipa havia sido atingida... logo em seguida, outro estrondo... dessa vez, era meu pai que havia sido atingido... eram balas perdidas de uma perseguição policial na orla... eu, debaixo daquele sol escaldante, fiquei zonzo e vi ambos irem ao chão, deixando manchas vermelhas na areia... logo em seguida, quem veio abaixo fui eu... não lembro exatamente o que ocorreu depois... mas o que aconteceu antes eu jamais vou esquecer... esse foi o meu inesquecível presente de aniversário...
Tiago Elídio...

inspirado em histórias reais! =/

Foto: Tiago Elídio...

domingo, 12 de dezembro de 2010

eu me sinto quebrado... na verdade, sinto como se eu tivesse sido quebrado há algum tempo... mas fui me reconstruindo... eu me sinto exatamente como um vaso, que se quebrou em várias partes, mas conseguiu se recompor... no entanto, ainda existem as rachaduras decorrentes da quebra... e elas nunca conseguirão desaparecer e tudo voltar à maneira como era originalmente... eu me sinto assim... eu me sinto rachado...
Tiago Elídio...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

simples assim...

"Tudo que parece meio bobo é sempre muito bonito, porque não tem complicação. Coisa simples é lindo. E existe muito pouco."
Caio Fernando Abreu..

feliz aniversário para mim! ;)

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"Sou um rapaz da cidade. Nas cidades grandes fizeram as coisas de tal jeito que você pode ir a um parque e estar num campo miniatura, mas no campo você não tem pedaços de cidade grande, então eu fico com muita saudade."
Andy Warhol...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

qual é o caminho?

no banco traseiro do carro, dois caras se pegavam... no banco da frente, o taxista dirigia... embora sua cabeça estivesse virada para a frente, seus olhos olhavam a todo momento pelo espelho retrovisor... projetava-se nos dois homens que trocavam beijos intensos... já estava, inclusive, com o pau duro... de repente, uma freiada brusca... não havia reparado que o sinal havia ficado vermelho... os rapazes, no banco de trás, olharam assustados e um deles disse: "cuidado, motorista!"... "me desculpa... mas acabei me distraindo com vocês...", disse o taxista... "pô, foi mal! se a gente tiver atrapalhando, passando dos limites, dá um toque!"... "não, não... tranquilo... é que é... assim... um pouco diferente!"... e aproveitando a deixa, perguntou curioso: "e como é... assim... beijar outro homem?"... "normal!", disse um deles... "é muito bom! acho que você devia experimentar, hein?", brincou o outro, olhando para o primeiro e trocando um sorriso... "eu?!"... "isso!! qual o problema?... você, com esses músculos todos, ia fazer sucesso, hein?", disse o primeiro, entrando na onda... "e ainda tem o lance de ser um fetiche... pegar o taxista...", acrescentou o outro... "que é isso?... eu sou casado! pai de família!"... "qual o problema? você não vai ser o primeiro... pode ter certeza..."... "e aposto que vai gostar, hein?"... "acho que você devia aproveitar que a gente tá indo pro motel..."... o taxista, depois de um momento de silêncio e de trocar olhares com os jovens, perguntou: "qual é o caminho que devo seguir?"...
Tiago Elídio...

sábado, 21 de agosto de 2010

sardinha na lata...

"que nem sardinha na lata"... assim dizia sua mãe em situações em que muitas pessoas ficavam espremidas em um local... lembrava-se disso, pois estava vivenciando uma experiência dessas... o ônibus no qual voltava do trabalho estava repleto de indivíduos... era um ambiente muito desconfortável, pois, além de estar lotado, fazia muito calor e o vento que entrava pelas janelas não circulava... era uma verdadeira agonia, uma sensação desanimadora... enquanto cruzava o túnel, via sua imagem no espelho, sufocado com as outras pessoas... pelo reflexo do vidro, parecia um aquário... lembrou-se então de uma outra expressão... "pecera"... era a palavra espanhola para esse pequeno espaço artificial habitado por peixes... e era assim que os mexicanos do DF chamavam os ônibus urbanos... fazia sentido... mas, guardada às devidas proporções e a falta de espaço para movimentação, estava com os demais peixes humanos nesse aquário urbano... como verdadeiras sardinhas numa lata...
Tiago Elídio...

domingo, 15 de agosto de 2010

"Toda esa luz está muerta -dijo Ingeborg-. Toda esa luz fue emitida hace miles y millones de años. Es el pasado, ¿lo entientes? Cuando la luz de esas estrellas fue emitida nosotros no existíamos, ni existía vida en la tierra, ni siquiera la tierra existía. Esa luz fue emitida hace mucho tiempo, ¿lo entientes?, es el pasado, estamos rodeados por el pasado, lo que ya no existe o sólo existe en el recuerdo o en las conjeturas ahora está allí, encima de nosotros, iluminando las montañas y la nieve y no podemos hacer nada para evitarlo."
Roberto Bolaño... 2666...

domingo, 1 de agosto de 2010

caralho! buceta! puta que pariu!...

"caralho, que cara gostoso!"... no segundo andar do prédio vizinho, um homem lhe chamava a atenção... sempre caminhava pela casa de sunga, quase desnudo... e tinha um corpo bem interessante, o que chamava ainda mais sua atenção... às vezes sua pequena peça de roupa era branca, às vezes preta, às vezes vermelha... sempre ressaltando seus nada pequenos músculos... e de vez em quando saía na sacada para fumar... sua atenção nem precisava mais ser chamada, já agia por instinto e se colocava na janela, apreciando a bela vista... também fumava um cigarro, para parecer mais discreto... mas provavelmente não o era... sua cabeça e seus olhos iam diretamente para aquela direção... o cara continuava fumando e era indiferente... parecia gostar de exibir o belo físico que possuía... os dias foram passando e o desejo por aquele corpo vizinho ia aumentando... passava cada vez mais tempo na janela, tentando observá-lo... já sabia até seus horários e, por isso, ia fumar basicamente no final da tarde e início da noite, quando o gostosão já tinha voltado do trabalho... ele não parecia ser gay, muito pelo contrário... parecia um daqueles machos marrentos... mas isso o excitava ainda mais... sua vontade era a de pular pela janela e cair em sua sacada... a distância não permitia, infelizmente... ou talvez, felizmente... provavelmente não conseguiria resistir à tentação... e, caso fosse mesmo um heterozinho, poderia ter uma atitude bem agressiva... e não era esse o tipo de contato físico que queria... mas, um belo dia, fumando um cigarro na janela, à espera... à espreita... viu o vizinho passando com um jeans e sem camisa... "puta que pariu, que delícia!"... mas, tinha uma acompanhante... xingou-a mentalmente com os mais variados insultos... estava com o homem que ele desejava... nesse momento, curiosamente, pensou em freud... segundo este, as mulheres têm algum complexo por não terem o órgão sexual masculino... existe uma certa inveja do pênis... mas o mundo é tão machista que não se pensou sobre a inveja do órgão sexual feminino... provavelmente também há o complexo advindo da falta de vagina no homem, pensava... acho que estou complexado, dizia a si mesmo... inveja da buceta alheia... "puta que pariu!"...
Tiago Elídio...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Viajar?
Para viajar basta existir.
Vou de dia para dia,
como de estação para estação,
no comboio do meu corpo, ou do meu destino,
debruçado sobre as ruas e as praças,
sobre os gestos e os rostos,
sempre iguais e sempre diferentes,
como, afinal, as paisagens são.

Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo?
Só a fraqueza extrema da imaginação justifica
que se tenha que deslocar para sentir.

"Qualquer estrada,
esta mesma estrada de Entepfuhl,
te levará até ao fim do mundo".
Mas o fim do mundo,
desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta,
é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu.

Na realidade, o fim do mundo,
como o principio,
é o nosso conceito do mundo.
É em nós que as paisagens tem paisagem.
Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são;
se são, vejo-as como as outras.

Para que viajar?
Em Madrid, em Berlim, na Pérsia,
na China, nos Pólos ambos,
onde estaria eu senão em mim mesmo,
e no tipo e gênero das minhas sensações?

A vida é o que fazemos dela.
As viagens são os viajantes.
O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

Fernando Pessoa...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

"(...) con él nunca se metían, entre otras razones porque era un buzo*, es decir porque no pertenecía a ese mundo, al que sólo iba como explorador o de visita."
trecho de 2666, de Roberto Bolaño...

*buzo = escafandrista: mergulhador que, munido de um escafandro, faz investigações ou trabalha no fundo do mar ou dos rios.
escafandro: equipamento hermeticamente fechado, mas onde se faz penetrar ar por meio de uma bomba, e que os mergulhadores vestem para trabalharem debaixo de água.

terça-feira, 6 de julho de 2010

é noite... olho pela janela e avisto sem querer a lua... ela encontra-se minguante... naquele período que segue sua cheia, em que está repleta... embora tenha sofrido uma diminuição e vivencia uma quebra, ainda assim consigo ver surpreendentemente um sorriso em sua imagem... assim como ela, também me encontro nessa fase... sinto uma grande quebra dentro de mim, uma falta enorme de algumas partes... mas, apesar disso, ainda sinto esperança de me preencher novamente... por isso, lhe retribuo o belo sorriso...
Tiago Elídio...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

l'air me manque... l'Amour, l'Imagination, le Rêve... l'air me manque...
Tiago Elídio...
pelo termômetro que mede minha vontade de morrer, hoje estou com febre.
Tiago Elídio...