Quando virou a esquina da Beija-Flor com a Rua dos Papéis Pequenos, tirou o blazer, os sapatos de couro e a calça. E assim, ficou apenas com a "roupa de praia". Um senhor que abria o mercadinho do bairro olhou para a donzela de curiosos movimentos e imaginou toda sorte de coisas: traição, rebelião juvenil, loucura. Longe ele de estar certo ou errado sobre todas essas coisas, deixou que um telefonema lhe distraísse. Mais tarde contou à mulher e à filha a cena que se desenrolara na frente dele, da menina que trocava de roupa entre um carro e outro, e incrédulo repetiu: "As mulheres são um mistério".
/Karina continuou seu trajeto, tranquila de suas intenções. Já com os pés na areia, descalça, sentia que cada passo era a intriga do tempo, ou a maneira como o tempo inflava o ar para a resolução de um mistério./
Karina só queria entender o tédio. A verdade é que sabemos se alguém de dezesseis anos é maduro demais para sua idade quando esse alguém se diz entediado. Karina se entediava desde os dezesseis anos. Precisava, então, de outra coisa. Se não completude, algo mais palpável.
Foi atrás de substância. Disfarçada, deitou-se na areia com uma revista a tira colo, nervosa ao estender a canga. Porque tudo ali era sua busca, era feito de insoluções, era mérito e desvio. Pensou: "Se mulher também é mar, que eu seja infinitamente a força que conduz as marés". E vocês não iriam acreditar como, naquele momento, extremamente concentrada, Karina foi se transformando em sal. Primeiro foi o cabelo, que esbranquiçou intempestivamente. Na barriga, sentia o útero abortar água salgada. Os seios se encheram de conchas - e por mais que houvesse beleza, doía, passava dos limites. O vento foi soprando o que havia de areia.
/Karina virou praia./
Só um catador de latinhas viu o momento final, em que Karina, sem sabermos se excitada ou arrependida, gritou de um jeito estridente e congelou. Feita de sal e de areia, passou cinco noites ao luar, servindo de vínculo entre os deuses e a terra. Depois veio o mar, e a ressaca desmanchou-a para sempre. Uns dizem que desapareceu, outros contam que chegou em casa e na frente de toda família se desmanchou virando água salgada.
O catador de latas me disse que ela se levantou, recolheu a canga e ainda como uma estátua de areia, mergulhou desiludida, cabendo a ela a decisão de buscar o substancial e o essencial pelos 7 mares.
Henrique Ludgério
Foto:
Tiago Elídio...
uma vida sem/com romance...
todos os dias pela manhã, ia para a praia... aproveitava para fazer seus exercícios matinais de frente para o mar, sentindo a vibração das ondas em seus ouvidos e a vibração da areia em seus pés... depois, gostava de exercitar a mente... sempre levava consigo um livro... depois de estender sua canga, debruçava-se sobre ela e se adentrava em outros mares... e gostava daqueles livros mais grossos, daqueles romances que parecem que nunca vão terminar... era dessas histórias que gostava mais... e quando uma leitura chegava ao fim, imediatamente já começava outra, sem sentir nenhum tipo de melancolia ou tristeza pela história que havia terminado... assim, preenchia sua manhã com muitas aventuras e emoções... gostava muito de romances... mas somente desses mais palpáveis, que se podem manusear e dar a eles o seu próprio tempo... gostava de ter o controle sobre a situação... já os outros romances, lidava de uma outra forma... na verdade, nunca havia tido muita sorte com esse tipo um romance... sempre se saía machucada, ferida, doída... assim, de tanto se estrepar nesse chão incerto e tropeçar nesse caminho pedregulhento, ficou traumatizada e não quis mais saber dessas histórias... assim, escolheu viver uma vida sem/com romance...
Tiago Elídio...
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