segunda-feira, 27 de junho de 2011

hoje havia acordado com cara de enterro... meu próprio enterro... havia sido uma noite horrível... mal dormida, com lágrimas escorrendo minuto a minuto... pensamento pesado, enuviado, como se pairasse sobre a cabeça uma chuva ácida corrosiva... e, com a aurora, o luto... a difícil aceitação de que estava morto... de que o coração não batia havia tempo... cortar os pulsos, de fato, não adiantava, pois dali não sairia sangue algum... já não pulsava mais vida nesse ser... já não existia mais nada... sequer uma brisa interior, uma esperança... e depois da enxurrada expelida para fora desse globo ocular, os olhos foram se fechando lentamente, levando a uma outra dimensão... quando voltei a abri-los, já havia sido enterrado...
Tiago Elídio...

quinta-feira, 16 de junho de 2011

no meio do caminho, havia um pão...

no meio do caminho, encontrou um pão... a princípio, não sabia muito bem o que fazer com ele... tinha uma aparência bem gostosa... mas teve um certo receio em comê-lo... no entanto, depois de apalpá-lo e cheirá-lo bem, resolveu arriscar... e, realmente, era como se o pãozinho fosse um presente dos deuses... era verdadeiramente delicioso... logo depois de algumas mordidas, já não havia mais pão... ficaram apenas algumas migalhas grudadas em seu corpo... tentou procurar outros, mas, no meio do caminho, já não havia mais pão... seguiu então seu rumo, mas não conseguiu se esquecer do bendito pão... depois de algum tempo, saudoso daquele momento de prazer que havia vivido, resolveu tentar recriar o alimento... não sabia a receita, mas tentou fazer da melhor maneira possível... colocou fermento e deixou repousar... mas não conseguia deixar de fitar aquela massa... estava tão impaciente e ansioso, querendo reviver o momento, que começou a beliscá-la... ela ainda estava em processo de fermentação... entre um pedacinho e outro, sem se dar conta, havia digerido tudo aquilo que ainda não era... nem nunca seria... aquele pão... e havia ficado entalado no estômago... não conseguiu, portanto, recriar aquele pão que encontrou no meio do caminho... ele havia ficado, de fato, no meio do caminho...
Tiago Elídio...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Condenados - no meu país, minha sexualidade é um crime...

"Atualmente, a homossexualidade é condenada em cerca de 80 países.

Graças à internet e seus sites de encontro, o contato com homens e mulheres de qualquer lugar do mundo é possível, mesmo nestes países onde as minorias sexuais são criminal
izadas pela força da lei.
Movido por essa constatação, senti então a vontade de realizar um trabalho sobre autorretratos, reunindo fotos de homossexuais que escondem seus rostos.

Meu objetivo era propagar informações sobre as terríveis ameaças que homens e mulheres, nestas condições, enfrentam em diversos países, apresentando suas fotografias, juntamente com depoimentos pessoais e as leis que vigoram em cada localidade.

Para iniciar meu contato virtual e convencer todas as pessoas aqui apresentadas, defini como regra primeira incluir apenas aqueles internautas de sites de relacionamento que estivessem conectados ao mesmo tempo em que eu.Isso explica a ausência de autorretratos femininos. Como a relação que adquiri com estas pessoas se baseava na confiança frente ao risco que assumiram concordando em participar deste projeto, jamais poderia mentir e me fazer passar por uma mulher, cadastrando-me em um site de encontros para lésbicas.

Ao contatar cada participante, eu sempre pedia os mesmos elementos:

- a inicial do nome, a idade e a cidade de residência;
- uma foto com o rosto escondido;
- um depoimento pessoal;
- a frase "No meu país, minha sexualidade é um crime" em sua língua materna.
Logo em seguida eles estavam livres para interpretar minhas solicitações. A única recomendação precisa e clara que fiz era a de que eles não deveriam ser reconhecidos, a fim de garantir a sua segurança.
Os homossexuais, homens e mulheres, nascidos ou residentes em um país onde sua sexualidade é um crime, vivem como condenados.

Podemos dizer que a internet, enquanto janela aberta para o mundo, ao menos um pouco, conseguiu transformar suas existências."

Philippe Castetbon

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No Brasil, a homossexualidade não é condenada pelo Código Penal. No entanto, nos últimos tempos, inúmeros casos de preconceito e violência contra homossexuais ocorreram em nosso país. Alguns exemplos ilustram bem essa situação, como o de jovens que foram espancados na Avenida Paulista, em São Paulo, e o do homem que foi baleado por um militar no dia da Parada Gay do Rio de Janeiro. Felizmente, não foram mortos. Mas isso não é o que ocorre com muitos gays, lésbicas, transexuais e travestis Brasil afora. Só no ano passado, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, 250 pessoas foram assassinadas em razão da sua sexualidade. É um número que cresce ano a ano. Existe a tentativa de instaurar a lei contra a homofobia, mas ela sofre grande resistência por parte dos parlamentares, sendo que alguns, ao invés de lutarem por um país mais justo e igualitário, não perdem a oportunidade de fazer declarações homofóbicas. No entanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo foi um importante passo na luta por reconhecimento e respeito, pois essa realidade de perseguição e preconceito não está somente nos países que condenam a homossexualidade. Ela também está presente e é muito forte em nosso país.

Tiago Elídio...

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Exposição internacional de fotografias de 50 países onde a homossexualidade é proibida por lei. Autorretratos de homens que vivem sob este pesar em conjunto com seus depoimentos e as leis que vigoram em cada localidade.

21/05 a 17/07 - Exposição
21 e 22 de MAIO às 12h: visitas guiadas com o curador
JUNHO: ciclo de debates
JULHO: lançamento do livro

CAIXA Cultural São Paulo
Praça da Sé, 111 - Centro - São Paulo – SP

www.exposicaocondenados.com.br

terça-feira, 29 de março de 2011


é outono... o chão está repleto de pequenas folhas secas... elas estão ali descansando um pouco... depois de decolarem da nave mãe, fizeram lindos voos rasantes até finalmente aterrisarem... desde então, esperavam... mas eis que chegam duas mãos e as recolhem... em seguida, um sopro... felizes, saem novamente dançando no ar... feliz, espalha coisas belas pelo mundo... vento, me leve com você...
Tiago Elídio...

Foto: Amanda Costa
http://amandacosta.com/

sexta-feira, 25 de março de 2011

Matéria de poesia...

Todas as coisas cujos valores podem ser
Disputados no cuspe da distância
Servem para poesia

O homem que possui um pente
E uma árvore
Serve para poesia

Terreno de 10x20, sujo de mato - os que
Nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
Servem para poesia

Um chevrolé gosmento
Colecção de besouros abstémios
O bule de Braque sem boca
São bons para poesia
As coisas que não levam a nada
Têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo
Tem o seu lugar
na poesia e na geral

O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
caco de vidro, grampos,
Retratos de formatura
Servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como
Por exemplo: pedras que cheiram
Água, homens
Que atravessam períodos de árvore,
Se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
E que você não pode vender no mercado
Como, por exemplo, o coração verde
Dos pássaros
Serve para poesia

As coisas que os líquenes comem
-sapatos, adjectivos-
têm muita importância para os pulmões
da poesia

Tudo aquilo que a nossa
Civilização rejeita, pisa e mija em cima,
Serve para poesia

Os loucos de água e estandarte
Servem demais
O traste é óptimo
O pobre diabo é colosso
Tudo que explique
O alicate cremoso
E o lodo das estrelas
Serve demais da conta

Pessoas desimportantes
Dão pra poesia
Qualquer pessoa ou escada

Tudo que explique
A lagartixa de esteira
E a laminação de sabiás
É muito importante para poesia

O que é bom para o lixo é bom para a poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório;
A palavra repositório que eu conheço bem:
Tem muitas repercussões
Como um algibe entupido de silêncio
Sabe a destroços

As coisas jogadas fora
Têm grande importância
-como um homem jogado fora

Aliás é também objecto de poesia
Saber qual o período médio
Que um homem jogado fora
Pode permanecer na terra sem nascerem
Em sua boca as raízes da escória

As coisas sem importância são bens da poesia

Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
Ao poema, e as andorinhas de junho.

Manoel de Barros

quarta-feira, 16 de março de 2011

Cazándola

"Es la logica propia de la vida: aunque vamos cazando – día a día – somos cazados.

Dice: ¿Adónde vas, hijo? Dice: A cazar.

Así, el cazador camina. Camina por el bosque, por el campo, por la ciudad. En cada momento está dispuesto a atacar lo que busque. Lo que quiera. Lo que cruze su camino. Porque, al final, la caza no es más que azar. El azar de caminos entrecruzándose. La vida.

Dice: ¿A cazar qué, hijo? Dice: A cazar maravillas, a cazar cada momento en su niebla magica, a cazar la suerte. A cazar la vida llena y plena. A cazar para no olvidar.

Y su mira telescópica encuentra los objetos de su deseo. Tira. Otra vez tira. Se oye el sonido de su arma accionada. Y fulmina. Cada vez fulmina con ímpetu.

Dice: Pero, hijo, cuando se caza, también se mata. Dice: Sin cazar no vería la vida – y sin la muerte no vería lo magico que nos da este mundo.

Los objetos se forman, cayen de sus entornos. Son los suyos ahora. Son sus objetos, no – sus sujetos. Va a tomarles a casa, va a colgar partes de ellos en las paredes. Para no olvidar. Para ver a la vida que está captivada en ellos. Pero ellos mismos no respiran más. Han dejado toda su energía, toda su vida en el momento en que... el cazador abre la puerta de nuevo. Camina por el bosque, por el campo, por la ciudad. Busca la vida matándola. Cazándola."

Julian Tangermann...




“camino por madrid en tu compañía…” y escuchando esa canción me acuerdo de los buenos paseos por las calles madrileñas en tu compañía… “a paso lento…” tranquilos, charlando y disfrutando el momento… “como quién sabe que cuenta con la tarde entera, sin nada más que hacer que acariciar aceras…” y luego el parque acariciándonos… “ir y venir, seguir y guiar, d
ar y tener…” y sentados en los columpios, en un vaivén sincronizado… apenas sintiendo el viento en nuestras caras, tocando nuestras barbas… “dos paseantes distraídos han conseguido que el reloj de arena de la pena pare, que se despedace…” y como si estuviéramos congelados en el tiempo, sacamos fotografías de esas imágenes… que fueron impresas en nuestra memoria, formando una hermosa película… “ir por ahí como en un film de éric rohmer sin esperar que algo pase”… pero la verdad es que algo pasaba, como en un film de françois ozon… y así seguías conmigo por las calles… “te vi cambiar tu paso, hasta ponerlo en fase, en la misma fase que mi propio paso”… y en sintonía, entrecruzábamos dos mundos, entrelazándolos, haciendo lazos… “amar la trama más que al desenlace”… camino por madrid en tu compañía…

Tiago Elídio...

Foto: Tiago Elídio... Madrid...

terça-feira, 15 de março de 2011

for the great people! =)

Song about the good people

1
One knows the good people by the fact
That they get better
When one knows them. The good people
Invite one to improves them, for
How does anyone get wiser? By listening
And by being told something.

2
At the same time, however
They improve anybody who looks at them and anybody
They look at. It s not just because
We know that these people are alive are
Changing the world, that they are of use to us.

3
If one comes to them they are there.
They remember what they
Looked like when one last meet them.
However much they've changed -
For it is precisely they who change -
They have at most become more recognisable.

4
They are like a house which we helped to build
They do not force us to live there
Sometimes they do not let us.
We may come to them at any time in our smallest dimension,
but
What we bring with us we must select.

5
They know how to give reasons for their presents
If they find them thrown away they laugh.
But here too they are reliable, in that
Unless we rely on ourselves
They cannot be relied on.

6
When they make mistakes we laugh:
For if they lay a stone in the wrong place
We, by watching them, see
The right place.
Daily they earn our interest, even as they earn
Their daily bread.
They are interested in something
That is outside themselves.

7
The good people keep us busy
They don't seem to be able to finish anything by themselves
All their solutions still contais problems.
At dangerous moments on sinking ships
Suddenly we see their eyes full on us.
Though they do not entirely approve of us as we are
They are in agreement with us none the less.

(Bertolt Brecht; The Darkest Times, 1938-1941)

domingo, 13 de março de 2011

momento publicidade

REVISÃO DE TEXTOS, TRADUÇÕES ESPANHOL E FRANCÊS, FOTOGRAFIA, AULAS DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS...
precisando desses serviços, pode me contactar!

terremoto...

vários pequenos tremores sucessivos já anunciavam que isso estava prestes a acontecer... o terremoto em seu interior atingiu um nível recorde... 8,8 na sua própria escala Richter... tratava-se de fato de uma agitação extremamente forte... abalou toda a sua estrutura interior... isso ocorreu, na verdade, pois, dentro desse corpo, havia muita intensidade de emoções, que não estavam conseguindo extravasar... isso ocasionou, à princípio, os pequenos tremores... eles apenas sinalizavam o problema... mas como nada foi feito, afinal parecia que não era possível fazer realmente nada, então veio o forte abalo sísmico e o colapso... as consequências foram, portanto, devastadoras... e seu corpo permaneceu ali prostrado, caído no chão, sem reação, esperando por algum socorro externo...
Tiago Elídio...

quinta-feira, 10 de março de 2011

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"pues, creo que hay horas con magia - las dos es una hora así... no estás durmiendo pero no despertado tampoco... estos mundos entre la luz y la sombra tienen su propia lógica..."
Julian Tangermann...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

"Os curiosos acontecimentos que são o objeto desta crónica ocorreram em 194., em Oran. Segundo a opinião geral, estavam deslocados, já que saíam um pouco do comum. À primeira vista, Oran é, na verdade, uma cidade comum e não passa de uma prefeitura francesa na costa argelina.

A própria cidade, vamos admiti-lo, é feia. com seu aspecto tranquilo, é preciso algum tempo para se perceber o que a torna diferente de tantas outras cidades comerciais em todas as latitudes. Como imaginar, por exemplo, uma cidade sem pombos, sem árvores e sem jardins, onde não se encontra o rumor de asas, nem o sussurro de folhas. Em resumo: um lugar neutro. Apenas no céu se lê a mudança das estações. A primavera só se anuncia pela qualidade do ar ou pelas cestas de flores que os pequenos vendedores trazem dos subúrbios: é uma primavera que se vende nos mercados. Durante o verão, o sol incendeia as casas muito secas e cobre as paredes de uma poeira cinzenta; então, só é possível viver à sombra das persianas fechadas. No outono, pelo contrário, é um dilúvio de lama. Os dias bonitos só chegam no inverno.


Uma forma cómoda de travar conhecimento com uma cidade é procurar saber como se trabalha, como se ama e como se morre. Na nossa pequena cidade, talvez por efeito do clima, tudo se faz ao mesmo tempo, com o mesmo ar frenético e distante. Quer dizer que as pessoas se entediam e se dedicam a criar hábitos. Nossos concidadãos trabalham muito, mas apenas para enriquecer. Interessam-se principalmente pelo comércio e ocupam-se, em primeiro lugar, conforme sua própria expressão, em fazer negócios. Naturalmente, apreciam prazeres simples, gostam das mulheres, de cinema e de banhos de mar. Muito sensatamente, porém, reservam os prazeres para os domingos e os sábados à noite, procurando, nos outros dias da semana, ganhar muito dinheiro. À tarde, quando saem dos escritórios, reúnem-se a uma hora fixa nos cafés, passeiam na mesma avenida ou instalam-se nas suas varandas. Os desejos dos mais velhos não vão além das associações de 'boulomanes', os banquetes dos amigáveis e os ambientes em que se aposta alto no jogo de cartas.


Dirão sem dúvida que nada disso é característico de nossa cidade e que, em suma, todos os nossos contemporâneos são assim. [...]"

Trecho de A Peste... Alberto Camus...*

*version originale en français au-dessus...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

o milagre das folhas...*

"Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que são de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes.

Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.

Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzí-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.

Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza."
Clarice Lispector...

*versión en español abajo en los comentarios...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011


Aprendeu que em situações de tensão os humanos estamirão

"saiu sem saber o que tinha na bolsa. Maria, a doida da rua, não tolerava desaforos dentro de casa. maquiou-se com o talo da erva doce e passou um pouco de colorau nas maças do rosto.
feito jiboia que vai pegar gato na esquina. feito catador de batata que joga uma dose de pinga goela abaixo antes do café. só pra usufruir do vapor. pra beber suco de couve e chocolate. beber o café do escritório e engolir raiva. o frescor da ignorância. dormia nua pra ir pescar sardinha no riacho. trazer sabedoria. Pela manhã, escutou dos meninos que não agüentavam mais. dormir em beliches e dividir o quarto com o papagaio. aquilo de um perto do outro. feito jogar caixeta. empilhadeiras de cimento e carvão. Vestiu um calção, cobriu com o vestido e subiu o morro. Maria foi à feira. ter contato com o verdume a deixava calma. só pra correr pelada da porta do banheiro até sua barraca. apalpar tomates com o dedão adormecia tua penugem. conhecia o gosto da folha só de tocar tuas raízes. via nutrientes pelo pé do alface. pelo chinelo dos homens. dormir só para ela significa sonhar com ladainhas e decidir, dia a dia, se usaria peruca ou se trançaria o cabelo. Sentia-se presa. pensava em saltar de asa-delta. só pra comer os pombos com mais gosto. comer com molho. shampoo de camomila. salgava com baba de jaca verde. roubava babosa da vizinha. Naquele dia, o rabanete nas mãos. pensou em levar leite com manga batida pros filhos. iogurte dos deuses. só pra ver o ódio escorrer pela boca. Salgar os olhos. Mas Maria era santa. Sua única crueldade é colecionar borboletas. na gaveta amontoa patas perdidas. Escutou que o pó das asas era arma antiga das mulheres que dão duro na vida. enxergava alegria em cada estrela no céu. vivia repleta de ver a lua. e Maria vendia senhas na fila do pastel. Chegada sua vez, vendia seu lugar e voltava. Foi acusada de produzir vícios. ganhou dois reais por uma cantada. Resolveu comprar chicória e bater com cenoura. pra sonhar feito banho de cachoeira. feito o lado da escotilha que brilha tranquilo, apesar do corpo estendido. Maria, a louca da rua, foi condenada por suicídio. aprendeu desde cedo que o fundo do poço é fundo por ser barato e líquido."
Otavio Ranzani...


o dia da semana de que mais gostava...

"sábado era o dia da semana de que mais gostava... era o dia em que ia para a feira comprar sua alface fresquinha... na sexta-feira demorava a dormir, pensando no grande encontro que estava por vir... e, claro, dormia mal, ansiosa para que a manhã do dia seguinte chegasse logo... entre um cochilo e outro, uma imagem verde e outra passavam-lhe pela sua cabeça... o relógio despertador tocava às seis e meia da manhã... mas ela já estava com os olhos abertos momentos antes, esperando apenas para apertar o botão... logo em seguida saía finalmente da cama... fazia seu café, que tomava com leite, acompanhado de algumas bolachas... depois se dirigia ao banho... apesar da ansiedade, era um banho demorado, afinal ela queria estar limpinha, cheirosa e bem apresentável... e gostava tanto da alface que colocava aquele seu vestido verde de que mais gostava... era uma forma de homenageá-la... quando finalmente terminava sua arrumação, pegava sua sacola e saía de casa... para sua felicidade, morava muito perto da rua onde era
realizada a feira... assim, caminhava apenas algumas quadras e lá estava ela, adentrando aquele ambiente de que tanto gostava... passava cumprimentando a todos os feirantes, com um sorriso meio envergonhado... mas não se atrevia a olhar qualquer outra mercadoria... seria como se estivesse traindo sua querida verdura... a única exceção era com os tomates, pois eram o seu pequeno agrado a ela... portanto, logo após comprá-los, dirigia-se diretamente à sua barraca favorita... como de costume, o feirante a esperava... cumprimentava-lhe com um belo sorriso e um carinhoso bom dia... ela lhe dizia o mesmo, embora não conseguisse se ater muito a ele.... seus olhos já estavam pousados nas alfaces verdes e frescas à sua frente... apreensiva, não tardava em tocá-las... ao fazer isso, sentia arrepios... elas ainda estavam molhadinhas... sentia a água escorrer por sua mão... sem pensar muito, como num ato reflexo, agarrava alguma por trás e levava diretamente ao rosto, para sentir o seu cheiro e frescor mais de perto... depois, colocava-a delicadamente de volta em seu devido lugar e repetia a operação uma a uma... e assim sentia-se como se estivesse em seu jardim, cuidando das suas mais belas flores verdes... o feirante já estava acostumado com a situação e a deixava tranquila com suas alfaces... não queria interromper esse momento tão sublime... ela sentia de fato uma sensação muito boa, como se estivesse nas nuvens... em nuvens verdes, leves e cheirosas... até que finalmente voltava ao plano terreno e decidia de fato quais seriam as escolhidas... nesse sábado, haviam sido duas as sortudas... e encostadas em seu peito, que ainda batia acelerado, foram suas acompanhantes no caminho de volta para casa... e também seriam o acompanhamento do seu almoço... do dia da semana de que mais gostava..."
Tiago Elídio...

Foto: Tiago Elídio... Feira da Rua dos Artistas... Rio de Janeiro...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

diálogos...

Melina: estamos num nível acima do cerol que puxa a vida pra baixo...
Tiago: eu sou a pipa que se desprende da rabiola e sai voando sem rumo...