o sol estava bem quente... queimava fortemente seu rosto... mas ele não sentia... estava dormindo... insensível ao que acontecia ao seu redor... estava tão cansado, que a dor já não lhe fazia mais tanta diferença... o mar, bem próximo, estava bastante agitado... a maré começou a subir... subitamente, despertou sentindo a água tomar conta do seu corpo... as ondas estavam fortes... ele não sabia o que fazer... não havia mais como sair dali... começou a nadar tentando encontrar uma solução... mas não conseguia... viu-se nadando inutilmente contra a corrente... já não tinha mais força nem paciência de seguir lutando... então, calmamente, parou de se debater e se deixou afundar... e assim foi...
Tiago Elídio...
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
maré...
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
montanha-russa...
seu coração começa a bater mais rápido... você está prestes a entrar nesse grande brinquedo e passar por uma aventura gigantesca... você abre a portinha, acomoda-se no assento e então, sem perceber, inicia a jornada... no começo você chora, sem entender muito bem o que está acontecendo... mas, do seu lado, há duas grandes companhias... elas seguram sua mão e ensinam como enfrentar esse desafio... e então o carrinho segue e você começa a se divertir... novas pessoas vão adentrando à medida que o caminho se desenrola... algumas, inclusive, fazem com que seu coração dispare ainda mais e você grite alto sem medo de ser feliz... mas às vezes há quedas, e você se sente inseguro, com medo, acaba passando mal, vomitando, querendo loucamente sair desse negócio... mas eis que você passa novamente por pontos altos, indo praticamente nas nuvens, como se tivesse asas... e assim você vai seguindo... vivendo as mais loucas emoções... e pessoas continuam entrando e saindo... às vezes algumas somente dão uma paradinha e voltam mais tarde... outras saem e não voltam mais... mas você continua lá, enfrentando essa grande montanha-russa, cheia de altos e baixos, seguindo o fluxo ao infinito...
Tiago Elídio...
dedicado a Daniel Zahori (umapitada.blogspot.com), pelo papo que inspirou esse texto...
Tiago Elídio...
dedicado a Daniel Zahori (umapitada.blogspot.com), pelo papo que inspirou esse texto...
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
impotência...
uma pessoa morre... não necessariamente biologicamente... morre somente pra você... e não há nada que se possa fazer... a sensação é a mesma frente a outros difíceis fatos cotidianos... a impossibilidade de se fazer algo fazem lágrimas escorrerem face abaixo... e também morrerem ao cairem no chão... sendo enterradas ali... o luto é preciso... lutar é preciso... não há outra coisa que se possa fazer...
Tiago Elídio...
Tiago Elídio...
terça-feira, 14 de outubro de 2008
replay...
não conseguia parar de ouvir aquela canção... sua melodia penetrava-o de maneira suave... sua letra entrava aos ouvidos como se fossem sussurros inebriantes... era uma música que o fazia fechar os olhos e sentir-se leve... sentir-se aliviado... sentir-se apenas... era uma grande sinestesia de sentidos que percorria todo seu corpo... era como se fossem mãos lhe fazendo carinho... levando-o a uma outra realidade... um som que o fazia levitar a uma esfera distinta... como se estivesse flutuando no ar... trazendo-lhe conforto... não conseguia parar de ouvir aquela canção...
Tiago Elídio...
Tiago Elídio...
aquela canção: Anytime... Jane Siberry...
dedicado à Lyne...
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
acontecimentos...
o menino pergunta ao pai se ele acredita no acaso, se acredita em destino... o pai responde que se a gente pensa em alguém e esse alguém liga a gente acha que é obra do destino, que está previsto nas estrelas, é sobrenatural... mas quando a gente não pensa nessa pessoa e ela liga ou quando pensamos e ela não liga, passa despercebido... é estranho... difícil saber no que pensar... seria tão bom poder acreditar que certas coisas acontecem porque têm que acontecer... isso é confortante, dá esperança... mas é difícil acreditar... fica-se com um pé atrás sempre... difícil saber no que acreditar com todas essas incredulidades contemporâneas... mas algumas coisas impressionantes realmente acontecem... será que existe um fluxo de energia entre as pessoas que fazem essas "casualidades" acontecerem? é bom pensar que sim... e aproveitar essa sensação boa que vem junto com esses acontecimentos... sem tentar pensar muito se isso é coincidência ou destino... apenas aproveitar as sensações...
Tiago Elídio...
dedicado à Lyne, que muito contribuiu para esse texto! =)
Tiago Elídio...
dedicado à Lyne, que muito contribuiu para esse texto! =)
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
sábio caio f. abreu...
Extremos da Paixão
Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."
Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.
Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya,ilusão,passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.
Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolosem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.
Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.
Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.
Caio Fernando Abreu
Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."
Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.
Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya,ilusão,passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.
Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolosem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.
Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.
Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.
Caio Fernando Abreu
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
balanço...
nheque, nheque... nheque, nheque... e assim no seu ir e vir o balanço dava vida à sua existência meio parada... dependia sempre da ajuda de alguém para isso... no mais, ficava ali tranquilo e sem movimento... chegando até a enferrujar-se... nheque, nheque... nheque, nheque... a jovem que estava sentada sobre ele mal percebia a diferença que fazia... estava ali imersa em seus pensamentos, num ir e vir constante, sem saber onde parar... apenas dava alguns impulsos às vezes para seguir movimentando-se, mas eles foram ficando cada vez mais fracos... até que o barulho se desfez e ela se foi... deixando o balanço à espera de uma nova companhia que mexesse com ele...
Tiago Elídio...
Tiago Elídio...
terça-feira, 9 de setembro de 2008
pílulas digestivas...
inesperadamente algumas coisas acontecem... às vezes isso é bom... às vezes, não... às vezes, tanto faz... pelo simples fato de não terem sido esperadas, talvez possam causar um estranhamento, necessitarem ser processadas... digeridas... precisam, assim, se converterem em compostos absorvíveis pelo organismo... nem sempre é um processo fácil... pode ser algo rápido, pode demorar, ou simplesmente pode não acontecer... depende de como o corpo do indivíduo reage frente à esse objeto estranho... mas muitas vezes tudo isso pode ser facilitado por algumas pílulas que ajudam na digestão... simples assim, basta ingeri-las... seria ótimo poder sair por aí distribuindo esses produtos e ajudando nas transformações alheias... mas não há nada que se possa fazer... esse é um processo pessoal e intranferível...
Tiago Elídio...
dedicado à Aline Fonte... fonte de inspiração... =)
Tiago Elídio...
dedicado à Aline Fonte... fonte de inspiração... =)
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
decisões...
a vida é feita de decisões... esse é um velho clichê que todos estão carecas de saber... o mesmo pode-se dizer dessa metáfora, mais um clichê... vemos assim que a vida é feita também de clichês... mas voltemos então às decisões... hoje resolvi fumar... quero dizer, resolvi começar a fumar, pois ainda não fui às vias de fato... mas tomei essa decisão pois estou muito saudável... não me interpretem mal... não quero ter um câncer de pulmão ou coisa do gênero... apenas não quero ser um daqueles velhinhos da terceira idade que vão fazer ginástica com outros velhinhos saudáveis porque já não tem os amigos de antes... que morreram por infartos, cânceres e outros problemas decorrentes de suas vidas sedentárias... não me interpretem mal aqui também... não é esse o fim que desejo aos meus amigos... mas o fato é que preciso de algo para contrabalancear essa vida esportista que ando levando... e nada melhor que um... ou dois... ou três... cigarrinhos por dia... para aliviar a ansiedade, inclusive... essa é minha decisão! tem fogo aí?
Tiago Elídio...
Tiago Elídio...
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
quadrados amigos...
A.L.I.N.E diz:
bom, é isso né?
A.L.I.N.E diz:
cada um no seu quadrado
Ti.a..go... diz:
acho q sim
A.L.I.N.E diz:
rs
Ti.a..go... diz:
uhahaha
bom, é isso né?
A.L.I.N.E diz:
cada um no seu quadrado
Ti.a..go... diz:
acho q sim
A.L.I.N.E diz:
rs
Ti.a..go... diz:
uhahaha
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
dialogando...
o voo estava atrasado... teria que esperar ainda mais alguns eternos minutos no aeroporto... esse lugar de intensas idas e vindas... partidas e chegadas... encontros e desencontros... alegrias e tristezas... não tinha muito o que fazer a não ser sentar e esperar... procurou alguma cadeira vazia e se acomodou... depois, pegou seu Caio Fernando Abreu na mochila e começou a ler... alguns rápidos minutos se passaram e terminou a leitura... extasiado... como era bom ler algo assim... era reconfortante e, acima de tudo, sublime... desejou que as pequenas epifanias do texto também acontecessem com ele... olhou para um lado... para o outro... nenhuma epifania à vista... então se pôs a observar as pessoas que ali também esperavam... e a imaginar como seria a vida de cada uma... uma mulher estava sorridente... talvez feliz por em breve retornar à sua casa... ou então feliz por sair de um lugar que lhe foi hostil... perto dela, estava uma outra mulher, um pouco mais velha... ao contrário da outra, estava com a cara fechada e um olhar distante... parecia não se importar muito com o que se passava ao seu redor... ou então com sua própria vida... apática e solitária... do outro lado, havia um jovem garoto... ele também estava em silêncio... além disso, tinha os olhos inchados e pequenas lágrimas sutis escorrendo face abaixo... parecia não se importar se o vissem dessa forma... nem que lhe dessem os costumeiros rótulos que costumam colocar em homens que fazem isso... talvez seu coração havia se quebrado... havia também algumas crianças correndo para lá e para cá, ainda vivendo sem se preocupar com essas questões do mundo adulto... depois, como se estivesse em frente a um espelho, começou a olhar a si mesmo... mas não teve tempo de se analisar... haviam chamado para o embarque... e assim foi, rumo à alguma epifania distante...
Tiago Elídio...
Tiago Elídio...
terça-feira, 26 de agosto de 2008
um pouco de caio f. abreu...
Há alguns dias, Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.
De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.
Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece.
De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia.
Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.
(Publicado no jornal "O Estado de S. Paulo", 22/04/1986)
domingo, 24 de agosto de 2008
transformações...
Todo se transforma
Jorge Drexler
Tu beso se hizo calor,
luego el calor, movimiento,
luego gota de sudor
que se hizo vapor, luego viento
que en un rincón de La Rioja
movió el aspa de un molino
mientras se pisaba el vino
que bebió tu boca roja.
Tu boca roja en la mía,
la copa que gira en mi mano,
y mientras el vino caía
supe que de algún lejano
rincón de otra galaxia,
el amor que me darías,
transformado, volvería
un día a darte las gracias.
Cada uno da lo que recibe
y luego recibe lo que da,
nada es más simple,
no hay otra norma:
nada se pierde,
todo se transforma.
El vino que pagué yo,
con aquel euro italiano
que había estado en un vagón
antes de estar en mi mano,
y antes de eso en Torino,
y antes de Torino, en Prato,
donde hicieron mi zapato
sobre el que caería el vino.
Zapato que en unas horas
buscaré bajo tu cama
con las luces de la aurora,
junto a tus sandalias planas
que compraste aquella vez
en Salvador de Bahía,
donde a otro diste el amor
que hoy yo te devolvería......
Cada uno da lo que recibe
y luego recibe lo que da,
nada es más simple,
no hay otra norma:
nada se pierde,
todo se transforma.
Jorge Drexler
Tu beso se hizo calor,
luego el calor, movimiento,
luego gota de sudor
que se hizo vapor, luego viento
que en un rincón de La Rioja
movió el aspa de un molino
mientras se pisaba el vino
que bebió tu boca roja.
Tu boca roja en la mía,
la copa que gira en mi mano,
y mientras el vino caía
supe que de algún lejano
rincón de otra galaxia,
el amor que me darías,
transformado, volvería
un día a darte las gracias.
Cada uno da lo que recibe
y luego recibe lo que da,
nada es más simple,
no hay otra norma:
nada se pierde,
todo se transforma.
El vino que pagué yo,
con aquel euro italiano
que había estado en un vagón
antes de estar en mi mano,
y antes de eso en Torino,
y antes de Torino, en Prato,
donde hicieron mi zapato
sobre el que caería el vino.
Zapato que en unas horas
buscaré bajo tu cama
con las luces de la aurora,
junto a tus sandalias planas
que compraste aquella vez
en Salvador de Bahía,
donde a otro diste el amor
que hoy yo te devolvería......
Cada uno da lo que recibe
y luego recibe lo que da,
nada es más simple,
no hay otra norma:
nada se pierde,
todo se transforma.
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
transpiração...
às vezes, depois de sucessivos obstáculos, o corpo vai se cansando... o bom humor acaba assim evaporando-se como as gotas de suor... essas vão aumentando cada vez mais até formarem uma grande área instável, com muitas precipitações... e chuvas de granizo começam a cair sobre a cabeça... ferindo... causando dor... desestabilizando... trata-se de uma grande tormenta que atormenta...
Tiago Elídio...
Tiago Elídio...
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
um poema do chileno bolaño...
LUPE
Trabajaba en la Guerrero, a pocas calles de la casa de Julián
y tenía 17 años y había perdido un hijo.
El recuerdo la hacía llorar en aquel cuarto del hotel Trébol,
espacioso y oscuro, con baño y bidet, el sitio ideal
para vivir durante algunos años. El sitio ideal para escribir
un libro de memorias apócrifas o un ramillete
de poemas de terror. Lupe
era delgada y tenía las piernas largas y manchadas
como los leopardos.
La primera vez ni siquiera tuve una erección:
tampoco esperaba tener una erección. Lupe habló de su vida
y de lo que para ella era la felicidad.
Al cabo de una semana nos volvimos a ver. La encontré
en una esquina junto a otras putitas adolescentes,
apoyada en los guardabarros de un viejo Cadillac.
Creo que nos alegramos de vernos. A partir de entonces
Lupe empezó a contarme cosas de su vida, a veces llorando,
a veces cogiendo, casi siempre desnudos en la cama,
mirando el cielorraso tomados de la mano.
Su hijo nació enfermo y Lupe prometió a la Virgen
que dejaría el oficio si su bebé se curaba.
Mantuvo la promesa un mes o dos y luego tuvo que volver.
Poco después su hijo murió y Lupe decía que la culpa
era suya por no cumplir con la Virgen.
La Virgen se llevó al angelito por una promesa no sostenida.
Yo no sabía qué decirle.
Me gustaban los niños, seguro,
pero aún faltaban muchos años para que supiera
lo que era tener un hijo.
Así que me quedaba callado y pensaba en lo extraño
que resultaba el silencio de aquel hotel.
O tenía las paredes muy gruesas o éramos los únicos ocupantes
o los demás no abrían la boca ni para gemir.
Era tan fácil manejar a la Lupe y sentirte hombre
y sentirte desgraciado. Era fácil acompasarla
a tu ritmo y era fácil escucharla referir
las últimas películas de terror que había visto
en el cine Bucareli.
Sus piernas de leopardo se anudaban en mi cintura
y hundía su cabeza en mi pecho buscando mis pezones
o el latido de mi corazón.
Eso es lo que quiero chuparte, me dijo una noche.
¿Qué, Lupe? El corazón.
Roberto Bolaño, Los Perros Románticos, 1980-1998.
Trabajaba en la Guerrero, a pocas calles de la casa de Julián
y tenía 17 años y había perdido un hijo.
El recuerdo la hacía llorar en aquel cuarto del hotel Trébol,
espacioso y oscuro, con baño y bidet, el sitio ideal
para vivir durante algunos años. El sitio ideal para escribir
un libro de memorias apócrifas o un ramillete
de poemas de terror. Lupe
era delgada y tenía las piernas largas y manchadas
como los leopardos.
La primera vez ni siquiera tuve una erección:
tampoco esperaba tener una erección. Lupe habló de su vida
y de lo que para ella era la felicidad.
Al cabo de una semana nos volvimos a ver. La encontré
en una esquina junto a otras putitas adolescentes,
apoyada en los guardabarros de un viejo Cadillac.
Creo que nos alegramos de vernos. A partir de entonces
Lupe empezó a contarme cosas de su vida, a veces llorando,
a veces cogiendo, casi siempre desnudos en la cama,
mirando el cielorraso tomados de la mano.
Su hijo nació enfermo y Lupe prometió a la Virgen
que dejaría el oficio si su bebé se curaba.
Mantuvo la promesa un mes o dos y luego tuvo que volver.
Poco después su hijo murió y Lupe decía que la culpa
era suya por no cumplir con la Virgen.
La Virgen se llevó al angelito por una promesa no sostenida.
Yo no sabía qué decirle.
Me gustaban los niños, seguro,
pero aún faltaban muchos años para que supiera
lo que era tener un hijo.
Así que me quedaba callado y pensaba en lo extraño
que resultaba el silencio de aquel hotel.
O tenía las paredes muy gruesas o éramos los únicos ocupantes
o los demás no abrían la boca ni para gemir.
Era tan fácil manejar a la Lupe y sentirte hombre
y sentirte desgraciado. Era fácil acompasarla
a tu ritmo y era fácil escucharla referir
las últimas películas de terror que había visto
en el cine Bucareli.
Sus piernas de leopardo se anudaban en mi cintura
y hundía su cabeza en mi pecho buscando mis pezones
o el latido de mi corazón.
Eso es lo que quiero chuparte, me dijo una noche.
¿Qué, Lupe? El corazón.
Roberto Bolaño, Los Perros Románticos, 1980-1998.
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