quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

chuva que acabou de escorrer

"Não quero escrever sobre mim. Quero escrever sobre os outros, sobre o que está fora de mim. O que me adentra e fica,
ou aquilo que simplesmente passa. Como uma chuva que acabou de escorrer e deixou seus resíduos.

Não escrever sobre mim não significa que não quero me revelar.
Significa que estou cansada de um mundo que deveria ser grande, mas é tão pequeno. Que acha bonito só o que é bonito e sempre e só isso.
Cansei de um mundo que não aceita o diferente, o excluído - um mundo que não estende a mão ou não abre seus ouvidos.
E, hoje, esse mundo fui eu. Um mundo tão pequeno, um mundo que repugno. Eu não parei, não estendi minha mão, não escutei. E agora choro,
porque me comove e me dói na alma.
Por medo de parar, simplesmente passei por um homem que, sentado na calçada molhada pela chuva, completamente desesperado,
me pedia ajuda segurando a cabeça entre as mãos porque não aguentava o peso da caixa pensante sobre o seu pescoço.
O peso da cabeça aperta o pescoço e faz a gente sentir aquele nó que só se desfaz com um longo e sussurrante choro.
E passei. E ele passou, mas deixou um pouco de seu desespero em mim.

Escrever o não-eu é escrever sobre o de fora que passa por mim e fica, como os resíduos da chuva que acabou de escorrer, deixando folhas e galhos nos encontros das ruas.
Resíduos de amor desencontrado, de poesia desarrumada, de ajudas e orações pela metade.
Resíduos de outros que passaram por mim e deixaram galhos e folhas no encontro das ruas pequenas e sem saída que moram aqui em meu dentro."

Laura Cielavin...

3 comentários:

Daniel Kunihiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel Kunihiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel Kunihiro disse...

Puxa Laura, um poema existencial que descreve uma experiência mesclada com reflexões, uma instanciação de um sentimento de culpa presente pelo desespero de ver em si precisamente aquilo que repugna nos outros. Bem, é como interpreto...

Pergunto ao texto qual seria o conteúdo interno da caixa. Pretensão de um curioso que provavelmente não teria o direito de um desvelamento além desta descrita nestes pensamentos paradoxais íntimos de desabafos, que por ser desabafo implica num risco que ultrapassa uma mera narrativa dos acontecimentos externos, vai além de uma mera historicidade cronológica, na qual -desculpe a vulgaridade do termo - estou de saco cheio... isto também é um desabafo!

Um forte abraço

Daniel